
Cadernos de divulgação do CEHA. N. º 5
Discurso da anti-insularidade
e o poio madeirense como a sua negação
por Alberto Vieira
A insularidade tem expressão em termos do discurso científico, basicamente com a Geografia (e hoje também com a Nesologia) e a política. Ambos os discursos constroem a teoria ou argumentação da existência ou negação da insularidade.
Em Portugal, a política, fundamentalmente a partir de 1976, com a definição das chamadas Regiões Autónomas, elaborou um discurso em termos de contra e a favor da insularidade, tudo isto tendo em conta que a insularidade aparece como razão para justificar atrasos e meios financeiros para os reparar. Assim sendo, os custos da insularidade entram na ordem do dia e, na Madeira, chegou mesmo a criar-se um subsídio de insularidade para compensar os madeirenses desta assimetria criada em relação ao todo nacional. Depois surgiu o conceito de ultraperiferia, a definir um outro peso reivindicativo para as ilhas da Europa. Em junho de 1973, teve início a Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa (CRPM), criada em Saint Malo (Bretanha). Depois, em 1999, o tratado de Amesterdão institucionalizou esta realidade. Perante esta argumentação concetual que dá corpo a reivindicações financeiras das populações e políticos insulares construiu-se um discurso da sua negação.
A questão dos discurso da anti-insularidade e da sua pertinência na sociedade resulta destas situações. Em Portugal, foi no campo do debate político que mais se desenvolveu, daí a valorização que damos aos registos dos debates parlamentares, mas, noutros países, como a França, foi no meio académico, com a Geografia que ele teve lugar, a partir da década de oitenta do século XX. A escola geográfica francesa construiu uma teoria da anti-insularidade, como de negação da ultraperificidade. Daí a necessidade de termos em conta esta perspetiva no debate científico da anti-insularidade, que também começa a ganhar adeptos em Portugal e Espanha. Desta forma, podemos afirmar que enquanto nas ilhas a classe política apostou na construção e afirmação do discurso da insularidade e ultraperificidade, nos meios políticos e académicos continentais tivemos uma diferente opção de desconstrução e negação através do discurso da anti-insularidade.
Quase sempre o discurso da negação e do contraditório ganha maior expressão na vida política e partidária. É aí que vamos encontrar a sua expressão plena até mesmo na questão da insularidade, pelo que, na abordagem da anti-insularidade, não podemos esquecer este discurso, que ganha plena expressão no confronto entre interesses insulares ou continentais, no quadro das políticas insulares e metropolitanas. A afirmação da anti-insularidade prima, muitas vezes, pela afirmação da continentalidade, enquanto o discurso da insularidade tem quase sempre expressão, na anti-continentalidade. Será, na verdade, o resultado dum confronto entre insulares e continentais?
Devemos, ainda, considerar uma situação singular que acontece com o madeirense, que pode se entendida como a subversão da insularidade. Assim, à pequenez do espaço geográfico, o madeirense antepõe a ideia da ilha como o centro do mundo, afirmando, assim, a sua anti-insularidade. A realidade, porém, determina o inverso. A ideia de poio como forma de delimitação e afirmação do seu espaço e da sua vida conduz e reforça o isolamento e insularização. Em termos mentais, tudo na vida do madeirense se reduz ao chamado poio. É lá que o madeirense encontra espaço para construir a casa, a terra para explorar os recursos que nunca garantem em pleno a sua subsistência. Aqui construiu o seu mundo, isolado e insularizado. Estamos perante uma realidade que se afirma em termos mentais como a prova da insularidade, assumindo, muitas vezes, a função de uma dupla insularidade. Daí entendermos a ideia e a presença física do poio, como uma forma de afirmação da insularidade e de negação dos discursos da anti-insularidade.